"caro bento,
parece que seus filhos resolveram quebrar a monotonia dos dias desta fazenda; ambos fugiram de casa numa manhã chuvosa deste fevereiro, com o intuito de se juntarem às tropas em porto alegre, e só foram en¬contrados à noite. mandamos revirar a estância e também os arredores, trabalho que os peões realizaram com carinho e dedicação, mas mesmo com esse esforço nada encontraram. eu já desesperava. estive no quarto dos dois e mexi em suas roupas, chorando uma saudade que era misto de medo. cheguei a pensar que bento manuel os tinha capturado para insultar vosmecê, mas logo desisti disso, por ter visto o quanto havia de fantasioso nessa versão.
vosmecê sabe bem o quanto eu sofro, todos os dias, quando penso nas batalhas que le esperam, quando penso que desafiou um império in¬teiro... imagine o que sobrou de minha alma depois da artimanha que seus filhos aprontaram. preciso, enfim, dizer-lhe que marco antônio agora convalesce de uma pneumonia e fraturou duas costelas. leão apenas pe¬gou uma gripe e recebeu de mim severo castigo, pois foi o responsável pela funesta aventura. quando ralhei com ele, me disse apenas: "mala suerte, mamãe." estava tão decidido, que vi nele a sua têmpera. decerto é mais um que sonha com pelejas. e está cada dia mais parecido com usted; até o olhar firme, ardente, é o mesmo que o seu, bento.
hoje, esposo, é dia dez de fevereiro. faltam cinco dias para o prazo que ustedes aguardam, e me pergunto se esta guerra é mesmo inevitável. aqui na estância, comungamos todas da mesma espera e da mesma angústia. e há um clima de ansiedade no ar. todos os dias, acendo uma vela para a vir¬gem... alguns peões já dizem às claras que, se a guerra estourar, juntar-se-ão aos seus efetivos. d. ana vendeu algum gado, a fim de estar preparada para alguma situação de emergência. quanto a mim, já remeti a joaquim o dinheiro que vosmecê solicitou. ele me enviou carta dizendo que na corte muito se fala da guerra que está por estourar aqui na província, e que bento e caetano desejam regressar brevemente. joaquim manda-lhe carinhos e respeitos, e deseja que deus nosso senhor cavalgue ao seu lado. disse tam¬bém haver le enviado uma longa missiva, mas como vosmecê nada contou sobre ela, penso deve ter-se perdido por esses caminhos tortuosos.
esta carta, caro esposo, que agora escrevo às pressas, segue junto com manuel, que está de partida para porto alegre a fim de realizar vários ser¬viços e de comprar alguns mantimentos que já nos faltam. espero de todo o coração que estas linhas le encontrem, que vosmecê esteja são e forte, e que me envie resposta o mais breve possível. como vosmecê sabe, nes¬te ermo são poucas ou raras as notícias que nos chegam. fique com deus.
com todo o meu afeto,
sua caetana.
estância da barra, 10 de fevereiro de 1836"